quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Tropa de Elite e o Anti-herói

Bom dia, pessoal

Outro dia falamos na aula sobre a saga do herói segundo Joseph Campbell. Começamos pela definição de herói - alguém que faz algo além do seus limites, algo extraordinário, em prol de sua comunidade, ou seja, para um bem maior.
Ficou faltando comentarmos sobre a figura do anti-herói, personagem bem mais complexo e que aparece com grande frequência na indústria cultural.
O anti-herói é um tipo de herói sem comprometimento com o bem da comunidade e que não tem, necessariamente, um comprometimento com as leis, e sim com a justiça. Luta pelo que acha justo, mesmo que empregue métodos iguais ou piores que os bandidos que enfrenta, e suas motivações podem ser do tipo egoístas, como vingança, por exemplo.

O anti-herói não luta pelo bem comum, mas acaba fazendo-o por tabela.
Nesta categoria entram personagens conhecidíssimos como Batman, Justiceiro, Indiana Jones, Dirty Harry e o nosso Capitão Nascimento.
Acredito que o anti-herói seja um retrato de nossos dias, o zeingeist de hoje, ou espírito da época. Este tipo de personagem começou a aparecer no final do anos 60, provavelmente motivado pelas mudanças políticas e sociais que o mundo passava: ditaduras, movimentos rebeldes, guerras, protestos, etc. O tipo de personagem heróico maniqueísta, ou seja, o herói puro e virtuoso contra o vilão mal e execrável não convencia mais o público, que via qualidades nos vilões e defeitos nos heróis. 
Vivíamos uma época na qual o mundo não se dividia claramente entre mocinhos e bandidos, inocentes e culpados. O público clama e acolhia uma novo tipo de personagem que fosse mais real, tivesse defeitos e conflitos reais e as diferenças éticas e comportamentais diminuíam. O mundo tornou-se duro e usar de métodos vilanescos para conseguir atingir seus objetivos passou a ser aceitável: violência desmedida, tortura, chantagem, etc, ... Os fins justificavam os meios.
Essa tendência se acentuou, a máscara da inocência caiu para personagens e público, e prevalece até hoje.
Claro que ainda há espaço para os heróis clássicos, mas ficaram relegados ao público infantil, que mesmo hoje também experimenta seus anti-heróis, como o ogro Shrek.
E onde o Capitão Nascimento se encaixa nisso?
O mote do roteiro de Tropa de Elite 1 e 2 é a violência urbana, que não conhece limites e assola cada vez mais a população. Assassinatos, roubos, extorsão, drogas, sequestros, são problemas corriqueiros e presentes no cotidiano de quase todas as cidades brasileiras, principalmente as grandes. Do outro lado, as autoridades hesitam, temerosas de tomar atitudes enérgicas em prol de interesses políticos e econômicos (não necessariamente éticos).
O pano de fundo dos filmes é o retrato da sociedade brasileira.
A era de galmourização do bandido e das justificativas sociais, que dominou o cinema nos anos 70 e 80, passou. O cidadão comum comum está cansado e anseia por alguém que resolva o problema de forma definitiva, mesmo que violenta.
Como um exterminador de insetos, surge a figura do Capitão Roberto Nascimento, capitão do BOPE, grupo de elite da polícia carioca (cenário perfeito por simbolizar a violência urbana no Brasil) cuja meta é acabar com o crime, seja pela forma que for.
É fácil ver o efeito catártico que este personagem exerce no inconsciente do público. É o leão que comerá os bandidos na arena da vida.
Por isso, que um personagem paranóico, violento, agressivo, que usa tortura como ferramenta de trabalho, se torna a personificação dos anseios de um povo cansado de ser vítima, mas que tem medo de admitir o anseio pelo sangue.
Nascimento incorpora tudo o que gostaríamos de ver e, talvez, fazer. A melhor cena de Tropa 2 é quando ele enquadra e espanca violentamente um político corrupto responsável pelo crime que tomava o Rio. Quem não sonhou em fazer, ou ver alguém fazer, isso com os corruptos do notíciario?
Os anti-heróis são frutos do caos que tomou a sociedade pela falta de perspectiva frente aos conflitos sociais que crescem  vertiginosamente  ante as soluções empregadas, geralmente paliativas e ineficientes.
Seríamos todos mais felizes se vívessemos em um país no qual um personagem como Capitão Nascimento não fosse adorado.
Nossa sociedade seria bem melhor e não precisaria deste tipo de personagem.
Abraços